quinta-feira, julho 17, 2008

Escravo ou Ingrato?


A novela em torno da possível transferência de Cristiano Ronaldo, do Manchester United para o Real Madrid, ameaça ainda fazer correr muita tinta. Confesso que a forma como ela se foi desenvolvendo me incomodou desde o início, tendo esse incómodo vindo a aumentar à medida que os novos capítulos se vão sucedendo. A vontade de todos os envolvidos é clara. O Real Madrid quer o jogador português, estando disposto a quebrar todos os recordes de transferências (100 milhões de euros?). Ronaldo pretende rumar à capital espanhola, virando costas ao clube que lhe deu a oportunidade de ser aquilo que é hoje. Mas o Manchester United não o quer deixar sair e mostra-se inflexível em negociar a sua grande estrela, seja por que valor for.

Primeiramente, devo dizer que considero a actuação do Real Madrid perfeitamente vergonhosa. Utilizando todos os meios ao seu dispor e fazendo valer o seu poderio financeiro e estrutural, procura seduzir Ronaldo de forma anormalmente insistente, mesmo depois de o United ter declarado o jogador intransferível. O objectivo parece evidente: tornar a relação Ronaldo-United de tal forma insustentável, que obrigue o clube inglês a ceder às pretensões, quer do jogador, quer dos 'merengues'. A falta de respeito revelada pelo colosso espanhol para com um clube concorrente é imbecil. Já se percebeu que o United não quer perder Ronaldo por nada e que um acordo, a bem, entre os dois clubes é impossível. Então, há que fazer pressão constante e pública sobre o jogador, de modo a arrasar a convivência entre o português e a sua entidade patronal. Uma atitude que atropela quaisquer valores éticos e que contribui para uma crescente desumanização do futebol.

O jogador também não tem tido um comportamento correcto. É legítimo que Ronaldo ou qualquer jogador ambicione melhorar as suas condições financeiras ou simplesmente procure um novo desafio para a sua carreira. Há, no entanto, formas certas para o fazer. Declarar publicamente, de forma quase sistemática, que quer sair do United, importando-se apenas consigo próprio, é de uma gritante falta de respeito para com o clube que o projectou para a ribalta e de uma profunda ingratidão para com treinadores (nomeadamente o seu 'protector' Ferguson), colegas de equipa e adeptos do Manchester. Tal conduta leva-me a concluir que o jovem madeirense revela ainda uma dose grande de imaturidade, para além de um carácter discutível. É com mágoa que o digo, uma vez que sou um incondicional admirador do seu talento dentro do campo.

Não sou hipócrita e sei que qualquer pessoa procura sempre o melhor para si. Se amanhã, qualquer um de nós tiver uma oportunidade de trabalho mais vantajosa, vai querer agarrá-la. Todavia, o futebol é uma realidade particular. Ronaldo, como qualquer jogador de topo, aufere já um salário astronómico. A vontade de abraçar um novo projecto ou de ganhar mais dinheiro, não o deve fazer esquecer todos os princípios de gratidão, respeito e carinho pelas pessoas que o ajudaram. Para se perceber onde quero chegar, pensemos nas situações de João Moutinho e Miguel Veloso. Ambos têm ambições de progredir na carreira, mas já todos notaram a diferença de carácter entre um e outro. Tem-me desiludido que o carácter de Ronaldo se pareça mais com o de Veloso que com o de Moutinho...

Além desta vertente do carácter, há ainda uma outra que se prende com a inteligência na gestão de carreira. Cristiano Ronaldo, quanto a mim, não parece ser muito inteligente neste aspecto. Em Manchester, goza de um estatuto ímpar. É o ídolo incontestável, está inserido numa liga à medida das suas características, ganha títulos atrás de títulos, é reconhecido já como um dos melhores jogadores de sempre do clube. Na época que se avizinha, tem a possibilidade de arrebatar títulos importantes e raros como a Taça Intercontinental e a Supertaça Europeia, além dos habituais. Na minha opinião, mesmo não achando que deve manter-se para sempre no clube (mesmo que o fizesse só teria a ganhar, poderia tornar-se na maior figura da gloriosa história do United, à frente de nomes como Charlton, Best, Cantona ou Giggs), julgo que é um ciclo que ainda vai a meio e será um erro crasso se for interrompido abruptamente. O Real Madrid é um clube muito mais problemático, com mais pressão, menos organizado, onde existe uma cultura mais individualista e os jogadores não são tão acompanhados. Será sempre uma opção de alto risco e, mesmo não duvidando da qualidade de Ronaldo para se tornar um ídolo também em Madrid, julgo que o momento certo ainda não chegou.

Digo com todas as letras que, no lugar do Manchester United, não cederia a pressões de nenhuma ordem e manteria o jogador, fazendo valer os direitos provenientes do contrato assinado, de livre vontade, por ambas as partes. Os contratos (ainda) são para cumprir. Ao contrário do que pensa Joseph Blatter, presidente da FIFA, que declarou recentemente, de modo inacreditável, que a vontade dos jogadores deve sempre prevalecer e que se deve combater uma espécie de escravatura (?!) instalada no futebol. Ficámos a saber que para o mais alto dirigente do futebol mundial os contratos não valem nada, quando a vontade dos jogadores é quebrá-lo, e que se deve instituir a lei da selva no desporto-rei. Absolutamente surreal! Obviamente que Ronaldo e o Real Madrid concordaram com Blatter. Será que se o Barcelona, o Milan ou o Chelsea, por exemplo, encetassem uma campanha de assédio idêntica a jogadores como Casillas, Sérgio Ramos ou Robinho, o Real Madrid subscreveria também as infames palavras do incompetente dirigente suíço? Será que Blatter e Ronaldo sabem o que significa 'escravo'? Eu também quero ser 'escravizado' como Ronaldo!

Pese embora as notícias que nos vão surgindo, nomeadamente as produzidas em Espanha, que dão como quase certa a transferência do astro português, continuo com a mesma convicção pessoal desde o começo deste folhetim: Cristiano Ronaldo vai jogar no Manchester United em 2008-09.

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