terça-feira, abril 17, 2007

Fernando Santos ou a obcessão pela polivalência

Queixar-se de si próprio

Fernando Santos ou a obcessão pela polivalência


É costume no futebol os treinadores serem os primeiros a pagar o preço dos maus momentos, mas no caso do actual momento do Benfica é mesmo no técnico que estão as raízes do problema.

É um dado básico no futebol — como em qualquer outro desporto colectivo — que o papel de um treinador também passa pelo conhecimento dos seus jogadores.

Por estranho que possa parecer, é neste aspecto que Fernando Santos falha — e não na opção pelo modelo de jogo. No onze de hoje, só a defesa parecia estar no seu ‘natural’, porque os arranjos no meio-campo e no ataque mataram totalmente a espontaneidade e o fio de jogo da equipa.

Vejamos.

Katsouranis pode ser um excelente jogador, muito versátil. Mas há que ver que:


  • ele pode ser um médio que sabe roubar bolas e lançar os ataques (já apareceu bastantes vezes a finalizar, preenchendo espaços que a equipa deixava vazios — mas isso é outra história);
    • pode ser um médio criativo descaído para a direita num esquema de 4-3-3 (só com um trinco), um pouco à imagem do que Lucho González vem fazendo no FC Porto;
    • mas não pode ser um ala direito, dos que ganham espaços em progressão individual para fazer centros, porque não são essas as suas características: não tem pique, nem poder de explosão, nem é brilhante nos passes longos porque na sua carreira nunca precisou de treinar os passes longos e os centros.

      Colocado onde foi (e a ver Simão e Rui Costa a surgir muito no centro, ‘empurrando-o’ para a ala direita), o grego:

    • perdeu relevância ofensiva (movimentou-se pouco, não abriu linhas e a equipa respondeu não lhe passando a bola);
    • importância defensiva (o Braga pressionou muito alto na primeira parte e, com João Pinto, Cesinha e Castanheira naquela área, tinha sempre linhas de passe para o contornar);
    • esclarecimento táctico (o ‘natural’ dele é jogar ao centro e até ir para central teve sempre a tendência de jogar quase ao lado de Petit).

      Uma unidade a menos para o Benfica!

      Karagounis foi outro jogador mal colocado por Fernando Santos. O nº 26 do Benfica gosta mais de ter a bola nos pés do que o seu compatriota, com um futebol bastante mais ‘açucarado’. Mas é mais lento e mais inconsequente (registe-se o facto de, nos primeiros dez passes que fez esta noite, sete terem sido para trás, dois para o lado e um para um adversário). E além de ter ainda menos poder de explosão do que Katsouranis, teve outro factor que complicou o seu desempenho: estava colado numa ala para a qual não tem pé! Ainda não tinham passado dez minutos de jogo e já ele travava completamente uma jogada em que podia entrar na esquerda da área para centrar, não o fez e veio para trás com a bola no pé, pressionado, até chegar ao meio-campo e poder entregá-la a Anderson — inteligente, Pedro Costa tinha-lhe oferecido a ala e fechou o meio, o que forçou o grego a matar a jogada e vir para trás.
      Há destros que são colocados na direita e brilham? Sim, mas têm de ser bastante rápidos no drible (como Simão), ter outra rapidez de passe (como Nedved) ou outra criatividade (como Ronaldinho). Assim como esteve, o grego (que é um médio criativo muito aceitável num miolo com bons trincos) foi, também ele, uma unidade a menos no Benfica — e também tanto a defender como a atacar.

      O enigma Simão/Rui Costa

      Desde a lesão de Rui Costa, Fernando Santos procurou alternativas para o lugar de nº 10 e a que lhe deu mais garantias parece ter sido o nº 20. Precisou de ‘investir’ alguns jogos (e algumas exibições menos conseguidas) para dar ‘formação específica’ a Simão e depois, quando Rui Costa regressou, terá ficado perante a dúvida: o que fazer?
      Qualquer pessoa faria regressar o capitão à ala esquerda (onde tem lutado com Quaresma pelo título de melhor jogador da Liga), para que o nº 10 fosse reconquistando o seu espaço e entrosamento com os colegas. Qual será a explicação do mistério?
    • terá Fernando Santos pedido a Simão que desse um apoio ao ex-milanista?
    • ter-lhe-á pedido que deixasse de ser um extremo ‘preso’ para estender o seu futebol por todo o ataque?
    • tê-lo-á puxado para o miolo do ataque para compensar um eventual abaixamento de forma de Nuno Gomes, principalmente no que diz respeito aos cabeceamentos, um aspecto em que tem perdido eficácia?
    • ter-se-á convencido de que, como essa opção resultou em Alvalade (perante uma equipa bastante aberta e alérgica às marcações individuais), resultaria em todos os jogos?
      Só os próprios saberão.

      O que é certo — pelo menos o que se vê cá fora — é que, com Simão ‘desenfiado’, o Benfica:

    • nem tem as vantagens de jogar com dois avançados (porque Simão não é cabeceador, e porque não há ninguém lhe centre a bola para a cabeça ou que lhe faça passes diagonais pelo solo);
    • nem tem as vantagens de jogar com os extremos (como seria importante perante equipas que jogam muito fechadas).

      Pelo contrário! Com Simão longe da ala, o que consegue o Benfica?

    • entrega a ala esquerda a jogadores que não foram feitos para elas (Katsouranis, João Coimbra);
    • desmoraliza e desmotiva os jogadores que poderiam fazer os flancos (Derlei, Manu, Miguelito);
    • afunila o seu jogo ofensivo, desperdiçando as alas para abrir as defesas adversárias;
    • expõe à evidência o mau momento de forma de Nuno Gomes, que demora a responder aos passes;
    • mata uma boa parte do pendor ofensivo de Léo, que claramente não tem a mesma confiança em Karagounis que tinha em Simão;
    • expõe a ala esquerda aos ataques do defesa direito adversário;
    • e, pior do que tudo, faz com que o futebol de Simão e o de Rui Costa se repitam e se atropelem.

      Resultado
      Com isto, o que conseguiu o Benfica esta noite? Habituada a ter a bola e a circulá-la com alguma velocidade, a equipa teve dificuldades

      — no processo ofensivo:

    • apesar da abundância de jogadores ao meio, Petit e Katsouranis não tinham linhas de passe, porque o Braga defendia sempre de modo muito compacto;
    • a criação esteve entregue a Rui Costa durante toda a primeira parte, muitas vezes sem apoios e a ter de jogar para trás;
    • os lances de maior perigo resultaram de bolas recuperadas no meio-campo e que, em triangulações ocasionais, se aproximavam da área de Paulo Santos;
    • os laterais foram forçados a estar quase sempre longe do ataque.


    • — no processo defensivo:

    • o Braga conseguia criar descompensações, aparecendo Cesinha, Davide e João Vieira Pinto a explorar espaços livres;
    • a lentidão da equipa nunca permitia ao Benfica ganhar as segundas bolas;


    • — na atitude psicológica:

    • ansiedades e precipitações cada vez maiores;
    • número de passes perdidos a aumentar;
    • jogadores a discutir entre si.

      Com isto, aos 5 minutos de jogo já o Braga tinha quatro remates efectuados e aos 17 já Quim fazia a sua sexta intervenção.

      Opções

      Ao intervalo, Fernando Santos reagiria colocando Mantorras no lugar de Léo. Com isto, seis jogadores do Benfica (mais de meia equipa!) estavam em funções que não estão no seu futebol ‘natural’, por mais que tentem adaptar-se:

    • Katsouranis a central (uma opção arriscada, que só não deu prejuízos porque o Braga ‘rebentou’);
    • David Luiz a defesa esquerdo (uma opção difícil de entender quando está Miguelito no banco — com o jovem brasileiro a lateral, o Benfica demorou uns largos minutos a ter uma ala esquerda, facilitando o trabalho do Braga);
    • Karagounis a médio direito (o que só resolveu uma parte dos seus problemas, o de estar numa ala para a qual não tem pé, mas que deixou os restantes, designadamente a falta de velocidade);
    • Rui Costa a ala esquerdo;
    • Nuno Gomes a nº 10;
    • Simão a avançado-centro (com estes dois últimos, Fernando Santos tentava repetir a ‘surpresa’ que valeu a vitória em Alvalade).
    • Ao contrário do que o técnico encarnado defenderá, não foi por estas alterações (e muito menos pela entrada de Derlei, um verdadeiro balde de água fria para o clube desde que chegou) que o Benfica encostou o Braga às cordas, mas sim porque os jogadores sentiram as emoções fortíssimas dos adeptos e ‘multiplicaram-se’ em esforços, tentando estar em mais de um sítio ao mesmo tempo — é aquilo a que um adepto atrás de mim chamava ‘o efeito Mantorras’.
      A melhor fase do Benfica (os últimos vinte minutos, em que a equipa teve o estádio inteiro na mão e se sentia uma atmosfera electrizante) deveu-se à atitude dos jogadores, marcada por:
      • uma generosidade e uma entrega sem limites;
      • uma intensidade de jogo muito elevada e, por vezes, sufocante;
      • uma grande abundância de jogadores nas imediações da grande-área.
      A isto acrescia a falência física do Braga, que tinha um futebol mais curto a cada minuto e deixava o ataque entregue ao inenarrável Diego (também entraria o ‘muro’ Andrade para o miolo, numa clara aposta de Jorge Costa em lançar contra-ataques).

      Como atacava o Benfica nesta fase?
      • com Karagounis a transportar a bola desde a linha de meio-campo;
      • Mantorras em cunha na área, a pressionar a inexperiência de Frechaut;
      • os laterais finalmente soltos e a ganhar as linhas;
      • e Simão, Rui Costa e o inconsequente Derlei a ‘vadiar’ por todo o campo para fugir às marcações, mas acabando por continuar a atropelar-se.
      Em suma: a equipa pressionava apesar das opções de Fernando Santos e não graças a elas. Mas o facto de ter apresentado um futebol de alto nível, cheio de passes e desmarcações e muita força física, mostra que é uma equipa com talento e valor, que apenas aparece mal estruturada com jogadores fora da ‘sua’ posição. Através das alterações que fez, Fernando Santos ‘reconheceu’ que o esquema inicial era desadequado, acabando por trocar não apenas os jogadores, mas o próprio esquema. Daí a grande dúvida: se para marcar golos adopta um esquema sem gregos nas alas e com os extremos em campo (hoje acabou com Manu na direita e Simão na esquerda), por que razão não começou este jogo (que sabia precisar de ganhar, dadas as vitórias dos rivais) assim?
      A favor de Fernando Santos, está o facto de que antes demorava bastante tempo a reagir e hoje teve o mérito de ter começado a mudar logo ao intervalo. Mas não haja dúvidas de que ele tem de se queixar de si próprio: a perda dos pontos de hoje, e do 2º lugar da Liga, começou no quadro de contraplacado branco que tem no balneário, e não num eventual mau desempenho dos jogadores. E quem escreve nesse quadro é apenas ele.



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