Correndo o risco de estar a escrever sobre um tema já desactualizado, venho aqui fazer algumas conjecturas sobre a saída do Engº Fernando Santos do Benfica.
Desactualizado porque falamos de futebol: apesar do episódio apenas ter sido tomado público na manhã de 2ª feira, já foi tema de abertura de telejornais, a chegada do novo treinador num jacto privado a Tires mereceu amplo destaque e ontem de manhã a ser motivo de directo no canal público – transmissão da conferência de imprensa do "Zé" António Camacho, demonstrando deste modo que o futebol ainda continua a ser o ópio do povo e provando também a velha máxima futebolística nacional: "o que é verdade hoje poderá ser mentira amanhã."
Não questiono a justiça do despedimento de Fernando Santos: estaria a entrar no campo da subjectividade e do abstracto. Questiono sim o timing, métodos utilizados no processo e o estilo populista crescente da direcção encarnada.
Timing
Factos: Fernando Santos nunca colheu a simpatia por parte da massa adepta do clube. Por uma questão de personalidade, de feitio, da qualidade do futebol que a equipa praticou nos últimos tempos, pelo final de época desastroso na última temporada.
Todos estes pontos não são porém recentes: no momento em que arquitectou o penta no Porto, já o engenheiro era acusado de praticar um futebol defensivo e pouco espectacular. Na sua passagem pelo Sporting novas acusações dos especialistas e treinadores de bancada neste sentido. Aquando da sua contratação, Luís Filipe Vieira não estaria assim a apostar numa mudança radical de estilo do engenheiro, com um futebol repleto de golos, com treinos à porta aberta no Seixal, ou com substituições em que o mesmo, usando uma expressão do meio da bola, meteria "a carne toda no assador".
Os maus resultados não são também de hoje. Numa época cheia de lesões e com um plantel curto, viu a equipa a arrastar-se no último terço de temporada 2006/ 2007.
Assim sendo, porquê esperar pelo início da 1ª jornada da Liga para despedir o treinador? Porquê prolongar a decisão, deixando-o mesmo planificar (mesmo que seja um "planificar" fictício...) toda a nova época? Porquê submeter a massa adepta a mais uma exibição penosa que poderá colocar em risco a entrada da equipa na "Champions"? Porquê esperar pelas declarações precipitadas e sem tom do capitão de equipa no flash-interview pós jogo com o Leixões?
Como confirmou ontem mesmo Luís Filipe Vieira quando questionado sobre a possível vinda de Fábio Rochemback "Tudo o que está para trás está fora de hipótese. O Fábio era uma escolha do Fernando Santos. Agora começamos do zero."
Eu diria começamos do –1, o que nesta fase poderá ser preocupante.
Metodologia
Vieira afirmava recentemente que o Benfica tinha o melhor plantel de sempre. Que todos os jogadores que entraram em estágio só sairiam pelo valor da cláusula de rescisão. Fernando Santos, satisfeito com os sucessivos votos de confiança do presidente e não receando que a fasquia e os nivéis de exigência estivessem em níveis demasiado altos, afirma que a única questão que lhe tiraria o sono, seria a saída de Simão, o capitão e três-em-um do plantel. Dias depois Simão faz questão de regressar à Luz, vindo de Madrid, para se despedir dos sócios e amigos: o salário avultado oferecido por uma equipa que disputa a possibilidade de entrada na taça... UEFA falou mais alto. Pelo que foi veiculado na imprensa nem o valor da cláusula de rescisão foi atingido, envolvendo a transferência a cedência de jogadores dispensados da tal equipa que não sabe se vai à taça UEFA à equipa que não sabe se vai à Champions. Para a difícil tarefe de substituir Simão chegam um jogador de 19 anos, Di Maria, lesionado e um produto do marketing do soccer Americano, Addu, sobre o qual Pelé afirmou há pouco tempo: "Adu o novo Pelé? Creio que não. Poderá ser o novo Eusébio". Fernando Santos não deve ter pensado na altura: "Estar-me-ão a fazer a cama?"
Pensamento que terá assolado a mente do técnico num novo caso intolerável de indisciplina daquele que prometia ser um dos esteios do meio campo da nova época, relegando ou Katsouranis ou Petit para o banco: Manuel Fernandes. Poucas semanas atrás, o mesmo Everton, teria oferecido 12 milhões por Lucho, que estava de férias na Argentina, atrasando (premeditadamente?) o regresso ao Porto. A SAD Portista não foi de modas e resolve comprar o remanescente do passe do jogador a um fundo de investimento estrangeiro, barricando a sua saída. O passe de Manuel Fernandes não poderia ter sido alvo do mesmo tipo de operação? Neste caso talvez a vontade expressa pelo jogador em sair, poderá ter inviabilizado a operação. Mas mais uma vez a direcção poderia ter minimizado a má imagem associada à saída do jogador, não permitindo episódios de indisciplina como a deserção do jogador no dia da partida contra o Copenhaga.
Populismo
Afirmações como "O Benfica tem o melhor plantel de sempre". Gastos associados à contratação de novos jogadores superiores a qualquer um dos dois rivais (apesar de ter sido o clube dos três grandes que menos lucrou com vendas de jogadores no defeso).
Contratação de um Cardozo que parece ser um jogador de grande qualidade, mas por uma verba que ultrapassa o dobro do montante exigido pela Juventus por um jogador que já deixa saudades.
Aparições na imprensa lado a lado com o novo guru nacional em economia/desporto/arte Joe Berardo.
Não será um populismo exagerado por parte do líder máximo do clube? Provavelmente sim. As sondagens valem o que valem. Mas na 2ª feira, num programa desportivo, 77% dos inquiridos culpavam a direcção pelo descalabro que reina no Benfica neste início de época. Ontem, porém, uma multidão esperava pela chegada do novo técnico no Seixal. O futebol é de facto o ópio do povo...
[Hugo Sousa]
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