Um dos aspectos mais interessantes do futebol é que ele é um espelho perfeito da vida e todas as situações pelas quais passamos têm uma réplica futebolística. Também na vida temos de entrar em campo, saber qual é o nosso objectivo, ver bem quem são os nossos colegas e os nossos adversários, descobrir quem segue as regras e quem joga à margem delas e, acima de tudo, ver como todas as nossas acções se repercutem em todas as pessoas que estão em campo. E os paralelismos são infindáveis... o futebol é a vida representada num campo.
Um dos gestos mais comuns no futebol e na vida é o acto de apontar o dedo. Confrontados com qualquer resultado negativo, quase todos nós temos como primeiro instinto procurar pessoas a quem possamos responsabilizar. Assim não somos forçados a questionar os nossos métodos, a mudar a nossa maneira de ser, a questionar os nossos preconceitos... os outros é que são os mauzões, os culpados, os que nos prejudicaram.
Uma das alturas em que este gesto é mais visível e mais grave decorre nos jogos de futebol, quando uma equipa sofre um golo. É clássico ver jogadores menos evoluídos do ponto de vista mental a virar-se para o colega que perdeu a bola, para marcador que largou um adversário, para o guarda-redes que cometeu um erro.
É que uma coisa é, a cada erro, a cada dissabor, analisar-se com calma e objectividade os erros cometidos, para não os repetir no futuro. Outra, completamente diferente, é explicar, em campo, à vista de todos, que a culpa de um golo cabe toda ela no passivo de um colega.
O que fará o jogador criticado? Num momento em que tem de digerir o golo sofrido, passa também a ter de defender a sua imagem, passando para uma discussão emotiva e em defesa da honra. Os reflexos na equipa são enormes: quebra dos laços de solidariedade, passagem para uma perspectiva individual e, nos casos mais graves, desentendimentos entre companheiros.
Se na hora da vitória não passa pela cabeça de nenhum jogador vir dizer ao grupo que só a ele é que se deve o sucesso alcançado, também não se admite que na hora do dissabor (seja um golo sofrido ou uma derrota no jogo) venha concentrar-se a culpa num companheiro. Ou há um conceito de equipa — para o bem e para o mal — ou é cada um por si.
Se estivermos atentos, na época que se avizinha teremos muitas ocasiões para detectar estas crucificações públicas. Ao passar para um colega as culpas, o jogador que aponta o dedo acredita estar a proteger a sua imagem pública, o seu desempenho e o seu amor-próprio. Mas na verdade o que está a fazer é minar as relações de solidariedade que devem dominar numa equipa — e a mostrar aos observadores atentos que é no fundo um jogador primário e individualista, que põe a sua imagem pessoal acima dos interesses do colectivo.
Eles fazem-no em campo. Outros fazem na vida.
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