quinta-feira, setembro 13, 2007

Scolari: rua ou permanência?



Luiz Felipe Scolari teve uma atitude altamente reprovável, ontem à noite, no Estádio de Alvalade. É certo que Felipão foi o homem que uniu os portugueses em torno da selecção nacional, foi o homem que conduziu Portugal à final do Euro 2004 e foi o homem que, na Alemanha, comandou a equipa na mítica meia-final do Mundial. A quantidade de mérito do treinador em todas estas situações é discutível, pode ter tido mais ou menos influência nos resultados obtidos, mas o mérito continua a estar lá.

No Euro 2004, Scolari contava com uma defesa composta por um Nuno Valente, um Paulo Ferreira e um Ricardo Caralho em excelente forma e acabadinhos de se sagrar campeões europeus de clubes, com um Jorge Andrade na plenitude das suas capacidades e com um Miguel a mais de 100%; contava com um meio-campo mágico, o meio-campo do FCPorto campeão europeu – Maniche, Costinha e Deco – com os acrescentos de Rui Costa ou Petit e um ataque cheio de estrelas, Cristiano Ronaldo a despontar, Luís Figo com vontade de fazer um brilharete, com Pauleta à beira do recorde de golos, Simão depois de uma grande época no Benfica e os avançados que sofrem do “síndrome de selecção”, Nuno Gomes e Postiga, bem mais produtivos com a camisola das Quinas. Acrescente-se o facto mais do que relevante de jogarmos em casa.

No Mundial 2006, Portugal inteiro tinha os olhos postos na selecção nacional de futebol. Gerou-se um ambiente absolutamente magnífico em redor da equipa e a euforia era geral e contagiante. A equipa era idêntica, dois anos mais velha, experiente, com um espírito vencedor. A ausência de Jorge Andrade foi complementada pelo formidável Fernando Meira, Cristiano Ronaldo era agora um futebolista mais maduro e incisivo, Figo estava ainda mais confiante, Maniche protagonizou exibições do outro mundo, Ricardo Carvalho passou de um central promissor para um dos melhores do mundo, etc.

A verdade é que Scolari teve, ao longo de todo o tempo em que liderou – e continua, para já, a liderar – a selecção portuguesa, um conjunto de jogadores de craveira internacional e de qualidade muito acima da média prontos a serem chamados. No entanto, muitas são as histórias de selecções feitas de maravilhosas individualidades que não obtêm resultados e de clubes endinheirados que, mesmo possuindo um vasto leque de craques, não alcançam os objectivos pretendidos. E todos vocês, amantes do futebol, conhecem algumas dessas histórias. Scolari, mesmo tendo tantos recursos à disposição, podia ter fracassado. E não fracassou. Apesar de tudo, tem (muito) mérito por isso, na minha opinião.



Scolari é um grande treinador? Do meu ponto de vista, é. Scolari percebe muito de futebol? Do meu ponto de vista, não. Scolari não é conhecido por “Sargentão” por acaso. O brasileiro é um autêntico líder, um gestor de homens e alguém que consegue motivar imenso os seus pupilos. Extrai o melhor futebol de cada um, obriga os jogadores a deixarem a pele em campo e dá liberdade à equipa, feita de craques, para jogar à sua maneira. É lógico que não é um ignorante completo em termos tácticos – não poderia ser –, todavia o seu conhecimento ao nível da estratégia do jogo é muito mais reduzida do que a de muitos outros grandes nomes dos bancos internacionais. Importante é também a sua personalidade, defendendo constantemente os seus jogadores e dando o corpo ao manifesto. Assume responsabilidades e retira-a dos que estão dentro de campo. É certo. E era precisamente aqui que eu queria chegar.

O seleccionador nacional levou longe demais o seu sentido protector. Ou então isso foi uma mísera desculpa para justificar a agressão. Aquilo que ontem vimos em pleno estádio Alvalade XXI foi uma vergonha para o futebol português e uma mancha negra e enorme na imagem de Scolari. Depois de uma pálida, para não usar um adjectivo ainda mais forte, exibição, Portugal, que se via em vantagem desde os 11 minutos, sofreu um golo. Acho que só a cinco minutos do fim vi alguns jogadores a correr durante a segunda parte. Foi incrível o ritmo imprimido pelos futebolistas portugueses, parecia um jogo entre casados e solteiros. A verdade é que estávamos a ganhar, mesmo jogando de forma incrivelmente passiva. Com o golo – irregular, diga-se – da Sérvia, a vida complicou-se e era tarde demais para correr atrás do prejuízo. Como se isso não bastasse, vimos uma cena desprestigiante de Scolari. Scolari, um homem experiente, habituado a vencer, já perto dos 60 anos e que vive do futebol há décadas, teve uma atitude irreflectida, irresponsável e digna de um mal-educado, sem carácter e bronco. Felipão bateu e fugiu, feito cobarde. Scolari, que deveria ser um exemplo para todos os jogadores, que deveria ser o modelo, o paradigma da personalidade e a cabeça fria nos momentos dificieis, decidiu espetar um soco a um rapaz com metade da idade dele e que, segundo as imagens, não o estava a provocar, nem a ele, nem a Quaresma.

Ainda assim, parece-me que o mais grave de tudo foi o não assumir das responsabilidades. Na conferência de imprensa, Scolari afirma ter defendido Quaresma, quando as imagens não comprovam nada disso. O próprio Ricardo Quaresma ficou incrédulo com a atitude tomada pelo seu superior. Primeiro, diz que Dragutinovic lhe ia bater. Ia mesmo? Não me parece. Depois diz que foi para defender Quaresma. Afinal, foi para se defender a ele ou a Quaresma? E alguém viu Dragutinovic ameaçar alguém?



Depois de uma série de maus resultados e depois desta atitude, Scolari tem o seu lugar em risco. Acho que o brasileiro, se quer conservar o seu contrato milionário, deveria pedir desculpas aos adeptos da selecção nacional pelas paupérrimas prestaões e deveria pedir desculpas a Dragoutinovic e a todos os que gostam de futebol, reconhecendo o seu erro e admitindo que, a quente, teve uma atitude idiota. É o mínimo.

João Vieira Pinto agrediu um árbitro no Mundial 2002, já depois de Sá Pinto ter batido em Artur Jorge. Mais recentemente, vimos Zequinha a perder a cabeça e a tirar o cartão a um árbitro. Ontem, isto. Enfim, acho que já chega de transmitir ao resto do mundo uma imagem de arruaceiros. Não somos arruaceiros. E ser um treinador a agredir um jogador é muito mais grave do que o contrário. É quase inacreditável. Estou em estado de choque e ainda não posso crer que Scolari possa ter descido tão baixo. Bateu no fundo?

A pergunta que eu vos faço é: será que Luiz Felipe Scolari deve permanecer ao leme da selecção nacional de Portugal? Esta é apenas uma fase passageira – três empates e três jogos muito fracos diante da Arménia (fora), da Polónia (casa) e da Sérvia (casa)? Merece continuar a tentar levar Portugal ao Europeu? E será que consegue? Mais do que isso, será que depois de um acto tão repugnável terá condições para continuar a exercer funções? Eu, sinceramente, ainda nem sei o que responder a estas perguntas…

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