Jogar em equipa
Ontem decorreu o jogo menos mediático e também o menos emocionante desta ronda da Liga dos Campeões, mas que nem por isso deixa de nos fazer reflectir numa coluna mensal que tenta mostrar que o futebol e a vida são totalmente paralelos.
Falo do Glasgow Rangers-Villareal. Com o resultado obtido, um empate a dois golos em casa do adversário, os espanhóis estão neste momento apurados, tendo o Glasgow de ir a Espanha mostrar uma fibra que, esta temporada, lhe tem faltado muitas vezes. Nada de extraordinário, se pensarmos que pelo ‘Submarino Amarelo’ alinham jogadores como Forlán, Riquelme, Sorín, Tacchinardi e outros.
Mas os dois golos espanhóis tiveram um dado curioso. No primeiro, Riquelme afastou com as mãos os companheiros que se dirigiam a ele para festejar o tento apontado (de penalty!). Para mim, essa acção está cheia de significado: «deixem-me em paz, este golo é meu». Isto seria mais ou menos aceitável se o argentino tivesse passado por três ou quatro adversários para marcar o golo da sua vida. Mas não foi isso que aconteceu — o nº 8 dos amarelos limitou-se a marcar um penalty a castigar um gesto infantil de Prso na área. Ou seja: ao marcar um golo que valoriza o seu passe e o torna mais provável que salte para Manchester no final da temporada, um golo que devia à equipa muito mais do que a si próprio, Riquelme lançou mão do tradicional individualismo sul-americano e afastou os colegas para chamar a si a respectiva glória.
O mesmo se passaria mais tarde, quando Forlán marcou o 2-1. O uruguaio até estava em fora de jogo quando a bola de insistência é lançada para a área, e ao recolocar-se bloqueia a jogada que Gonçalo Rodríguez estava a fazer — e que lhe permitiria marcar o seu primeiro golo na Liga dos Campeões. Graças ao feliz domínio de bola do central argentino, que pôs a bola ao dispor de Forlán ao mesmo tempo que o livrava do fora de jogo, o nº 5 do Villareal marcou o golo mais fácil da sua carreira — dificilmente se pode admitir que teve de lutar muito por ele. E o que faz imediatamente a seguir? Em vez de abraçar um colega que estava mesmo ao seu lado e que fala a mesma língua que ele, levanta o indicador e corre para as bancadas, a festejar um golo que, ao fim ao cabo, nem sequer lhe foi dado — foi roubado a um companheiro.
Na vida, quando temos um resultado positivo em qualquer área (académica, profissional, familiar, pessoal...), é bom sentirmo-nos um pouco orgulhosos, mas também convém lembrar as pessoas que nos ajudaram pelo caminho. É muito raro que um determinado sucesso nosso se deva apenas a nós próprios. Se acabamos um curso, é porque tivemos uma família que nos sustentou (ou que nos preparou para nos sustentarmos enquanto o tirávamos); se alcançamos os objectivos na empresa, é porque as pessoas que trabalham connosco, bem ou mal, deram uma mãozinha; se temos um casamento feliz ou uma amizade duradoura é porque do outro lado está uma pessoa que nos entende, atura e ajuda. Sem este jogo de equipa, nada (ou quase nada) de bom que conseguimos na vida... seria possível.
Este é mais um dos traços que a vida tem em comum com o futebol. Em campo, como na vida, podemos ter todo o talento do mundo, estar em forma, ter o melhor equipamento, etc., mas sem a presença dos 'colegas de equipa', seria impossível fazer mais do que um simples um-para-um. E no futebol as coisas até são mais fáceis: em campo, as pessoas que estão do nosso lado, prontas para nos ajudar, estão por acaso todas elas vestidas com uma roupa exactamente igual à nossa. No futebol como na vida, são elas que merecem o nosso máximo — mas isso parece que ainda não chegou à atenção dos sul-americanos do Villareal.
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