sexta-feira, outubro 14, 2005

Porto Vs Benfica Atacante Histórico: FCP 0 - SLB 2, 28 de Abril de 1991

Quando foi decidido por nós fazer esta pequena rubrica, por forma a fazermos o "lançamento" do jogo de amanhã, não tive dúvidas nenhumas de qual o jogo que iria escolher. Estávamos a 28 de Abril de 1991, eu tinha 18 anos, o tempo estava farrusco, mas o Benfica obteria uma fantástica vitória em pleno Estádio das Antas, garantindo praticamente o título nacional da época 1990/1991.

Foi uma época extremamente atribulada, provavelmente das mais atribuladas que já tivemos em Portugal (será que posso dizer isto?):
- No início da época o Benfica tinha roubado Rui Águas ao Porto, tendo o goleador regressado à casa que o viu nascer para o futebol. O jogador, depois de ter afirmado ter sido com orgulho que tinha regressado à Luz, é praticamente enxovalhado em praça pública por Reinaldo Teles, que afirma que se não fosse o FC Porto, o goleador "ainda ganhava 300 contos por mês"...


- Em Novembro explode o caso Francisco Silva, num célebre Penafiel-Belenenses, no Estádio 25 de Abril. Por acaso temos em cima da mesa actualmente o célebre Apito Dourado... É incrível como passados 14 anos ainda são as mesmas questões que estão em cima da mesa...


- Não sei se se recordarão, mas as deslocações do FC Porto nesta época ficam marcadas por desacatos e violência, nas deslocações dos azuis e brancos a Faro e a Guimarães, onde Pinto da Costa e Reinaldo Teles chegaram, ao que consta, a ser agredidos. "Fala-se que nós andamos de pistolas, metralhadoras, guarda costas, mas, na verdade, o nosso presidente é que tem sido agredido, sem quaisquer hipóteses de defesa. De duas uma: ou os capangas são imaginação de alguns D. Quixotes do nosso futebol ou precisamos de renovar o pessoal devido à sua ineficácia.", dizia Reinaldo Teles...


- Durante a época mais casos, com jogadores tanto do Benfica (Diamantino) como do Porto (Geraldão), tornavam as próprias épocas dos clubes atribuladas. O próprio defesa azul e branco acabou por ser afastado da equipa, alegadamente por ter já um pré-acordo com o rival da Luz...

Chegávamos pois à vespera do clássico que definiria provavelmente o campeão nacional da época, com um ambiente bem quentinho. Artur Jorge, na véspera dizia: "Tendo em conta o passado recente e menos recente do futebol português, Carlos Valente não deveria ter sido nomeado para este jogo."

Octávio Machado também picava o adversário: "O Benfica que não se preocupe com a água, pois já contratamos uma empresa de aspiradores para sugar a relva e, com um bocadinho de jeito, ainda pedimos emprestado um tapete de veludo vermelho ao Papa." Ericksson mantinha a sua sobriedade habitual e não respondeu a nenhuma provocação. À boa maneira do gentleman sueco... Despediu-se em Lisboa com um "Adeus, até ao nosso regresso, como campeões" Visionário este loiro... :-)

A chegada do Benfica às Antas foi marcada por um ambiente de perfeito terror. A recepção ao autocarro encarnado foi feita com pedras e mais pedras, dando razão ao cartaz exibido na superior sul: "Ides sofrer como cães". Os jogadores encarnados viram-se obrigados a equipar no corredor, onde estavam vários elementos da organização portista, já que os balneários encarnados tinham sido impregnados de um cheiro nauseabundo, impedindo Eriksson de fazer a habitual palestra antes dos jogos.

No jogo propriamente dito, o treinador sueco do Benfica surpreendeu tudo e todos colocando uma táctica com 3 centrais, composta por um líbero (William) e dois centrais de marcação (Paulo Madeira e Ricardo Gomes). Nas faixas laterais apareciam Paneira sobre a direita e Veloso sobre a esquerda. No meio campo, apostou num triângulo composto por Paulo Sousa, Thern e Valdo, colocando na frente Pacheco e o polémico Rui Águas, a prender os centrais portistas.

O jogo foi extremamente equilibrado, sem grandes lances de perigo, tendo conseguido a táctica orquestrada por Ericksson anular os avançados portistas (Kostadinov e Domingos).

É então na 2ª parte que o treinador sueco, aos 75 minutos, dá o golpe de misericórdia nos dragões, fazendo sair Pacheco e colocando César Brito no apoio a Rui Águas... Três minutos depois de entrar César isola-se e abre o activo... passados mais 5 minutos segundo golo de César Brito... Avé César, gritamos nós na bancada!... O Benfica ia ser mesmo campeão!!!...
No dia seguinte os títulos dos jornais eram mesmo todos Avé César!...

No entanto, pese o resultado e a definição do campeão nacional, o pós-jogo ainda iria dar que falar... A saída de Carlos Valente dos balneários foi marcada pelo dramatismo. Só muito a custo a polícia conseguiu retira-lo do estádio, no meio de insultos e algumas agressões, que o deixaram a cambalear. Valente, no entanto, negou tudo, dizendo apenas que "Vou dormir bem, com a consciência tranquila". Pinto da Costa, no entanto, não tardou em ripostar: "Carlos Valente teve um comportamente provocatório, chegando a insultar o banco do FC Porto"...

À chegada a Lisboa, João Santos atacou Pinto da Costa e seus pares: "Houve cenas incriveis nas Antas, de intimidação à equipa e apoiantes. Os portistas criaram um clima de pânico, lançando mesmo o boato de que o árbitro teria almoçado connosco. Não deixaram os nossos jogadores equiparem-se no balneário, encharcaram as faixas laterais, e no final ainda aquelas cenas de pancadaria, com os nossos dirigentes a serem agredidos. Tudo isto porque os dirigentes do FC Porto ficaram em pânico, ao sentirem o campeonato perdido". E destas agressões, sairia do anonimato o nome do Guarda Abel, que, pouco tempo depois, numa tomada de posse da direcção do Salgueiros, ameaçou o presidente encarnado: "Aqui ou em Lisboa, hei-de matá-lo".


João Santos, a salvo, traçou o perfil do Guarda Abel: "Esse senhor, um verdadeiro arruaceiro, protagonizou desacatos e desmandos, nas instalações das Antas, antes do FC Porto-Benfica. Não sei se este individuo tem protecção de alguém, mas o que é certo é que impediu os nossos dirigentes de acederem à cabina do Benfica no final do jogo, dizendo que estava a cumprir ordens de Pinto da Costa", acusando ainda a polícia fardada, onde Abel estaria incluido, de ter pontapeado dirigentes encarnados dentro da zona protegida.

Bem, conto esta história bem longa, também para todos reflectirmos. Infelizmente estes desaguisados entre dirigentes continuaram a verificar-se nos anos seguintes. Basta olhar para o exemplo no ano passado, em pleno Estádio da Luz. Espero que algumas destas memórias, que até por vezes nos fazem sorrir, também nos sirvam para lembrar que o futebol não é guerra, o futebol é um jogo, em que se ganha, se perde, ou se empata. Por vezes ficam uns felizes, outras vezes outros. Temos todos de aprender a relativizar tudo isto. Nesse dia fiquei muito feliz. Infelizmente o meu Benfica nunca mais venceu nas Antas. Espero que o consiga fazer amanhã em pleno Estádio do Dragão.

Mas que, acima de tudo, todos os intervenientes se respeitem e que seja um grande jogo de futebol. Têm a palavra, meus senhores!...

Ficha do Jogo:

FC Porto: Baía, João Pinto (Baltazar, aos 45m), F. Couto, Aloísio e Paulo Pereira; André, Jorge Couto, Vlk e Semedo (Jorge Plácido, aos 78m); Domingos e Kostadinov
Treinador: Artur Jorge

SL Benfica: Neno, Paulo Madeira, William, Ricardo Gomes; Paneira, Paulo Sousa (Samuel, aos 76m), Thern, Valdo e Veloso; Pacheco (César Brito, aos 75m) e Rui Águas.
Treinador: Sven-Göran Eriksson

P.S.: Dedicado a ti, eterna atacante Dani...

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