Vitória de Setúbal e Vitória de Guimarães proporcionaram ontem um jogo equilibrado, que chegou empatado ao fim dos 120 minutos. Mas não foi assim há algumas semanas, para o campeonato, em Guimarães: nessa altura os homens de Vítor Pontes derrotariam os de Hélio Sousa por um contundente 4-0. No final desse jogo, o treinador sadino explicaria o desnível no resultado e, a um dado passo, diria, textualmente, estas palavras: «Como começámos o jogo a perder, já não pudemos fazer nada».
Vindas de um homem que, enquanto jogador, era conhecido por nunca baixar os braços (o que lhe valeu mesmo uma autoridade natural no grupo de trabalho) estas palavras de Hélio Sousa merecem reflexão. É que — atenção que vem aí a minha expressão favorita — no futebol como na vida, as palavras dos que ocupam lugares de responsabilidade condicionam e determinam o trabalho dos elementos de um grupo. Trocado por miúdos: se estas palavras viessem da boca de um adepto ou de um futebolista amador, teriam um significado muito relativo; mas vindas da boca do líder do grupo, entram directamente para a mentalidade da equipa. Ensinamento: quando começarmos o jogo a perder, está furado o balão, é escusado tentarmos virar o resultado.
Por acaso, do ponto de vista puramente técnico, este raciocínio é falso: quanto mais cedo uma equipa sofre um golo, mais tempo tem para reagir e empatar. Mas nesta coluna não é o lado futebolístico que está em causa: é o significado que as coisas da bola têm para a nossa vida. O estimado leitor que se lembre da tese central desta rubrica: o campo de futebol é uma metáfora perfeita da nossa passagem por este esférico planeta. O que podemos tirar deste episódio?
Na verdade, no nosso País, nunca houve uma equipa que acabasse um campeonato sem derrotas — e muito menos sem sofrer golos. Por mais hegemónica que fosse, por mais que dominasse a prova, nunca aconteceu chegar ao fim da prova com as ainda castas e puras. Então, sofrer um golo, tarde ou cedo, deveria ser a coisa mais natural do mundo no futebol. Não? Ou será que um jogador tem legitimidade de esperar sofrer zero golos ao longo da prova, só para poder manter activo o seu espírito de conquista?
No nosso dia-a-dia, a mesma coisa. Algum de nós pode pretender, honestamente, chegar a qualquer objectivo sem sofrer um revés pontual, um atraso, uma derrota? Claro que não — mais tarde ou mais cedo, qualquer um de nós sofre com um problema, maior ou menor, mas o que separa os mais aptos dos outros é a capacidade de aguentar o sofrimento, aprender com os erros, manter a calma e dar a volta por cima. Em qualquer campo da nossa vida, o que nos faz excelentes como profissionais, pais, cônjuges, amigos, o que verdadeiramente nos distingue, não é a capacidade de nunca ter problemas — é a capacidade de os ultrapassar.
Como o destino é irónico, poucos dias depois os dois Vitórias voltariam a encontrar-se, desta vez para disputar uma vaga na final do Jamor. Os sadinos sofreram um golo nos últimos minutos (se o tivessem sofrido cedo, o que aconteceria? Baixariam de novo os braços?) e, empurrados pelo público, lançaram uma reacção muito interessante, que os levaria primeiro ao empate e, depois, aos penalties. O sucesso que acabariam por alcançar não teve nada a ver com o facto de não terem sofrido um golo cedo — mas com a atitude de conquista e de reacção que tiveram depois de sofrer o golo. Só que disso não se aperceberá Hélio Sousa. No futebol como na vida, não interessa em que minuto sofremos um golo, porque haveremos sempre de sofrer algum. O que interessa é aproveitar os minutos que nos faltam para repor as coisas à nossa maneira e ganhar uma vaga nas finais das nossas Taças.
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