sexta-feira, março 31, 2006

Mundiais Atacantes: Inglaterra 1966



Finalmente Portugal

Foi em 1966 que o nosso país participou pela primeira vez na fase final de um Mundial de Futebol. E de forma magnífica!.... Os magriços, como eram conhecidos os nossos atletas, conseguiram em terras de Sua Majestade levar bem alto o nome do nosso país, e só por alguma infelicidade e por amadorismo de uma organização claramente voltada para a vitória da equipa anfitriã, não conseguimos mesmo alcançar o lugar mais alto do pódio.
A escolha da Inglaterra para acolher esta fase final foi relativamente pacífica, uma vez que em 1963 a Federação Inglesa festejava o seu centenário, o que naturalmente a FIFA levou em conta, atribuindo-lhe a organização.
Mais uma vez se bateu um recorde de participações na fase preliminar, com 68 países inscritos.



A selecção portuguesa nesta fase de qualificação conseguiria deixar de fora do Mundial a vice-campeã do Mundo de 1962, a fantástica selecção da Checoslováquia. A nossa selecção obteve vitórias sobre a Turquia (5-1 e 1-0), Checoslováquia (1-0 fora) e Roménia (2-1 em casa), só tendo cedido um empate em casa a zero bolas frente aos checos, e perdendo o último jogo na Roménia por 2-0 quando já tinha o apuramento garantido. Além desta surpresa, e da eliminação da Jugoslávia, todas as grandes selecções da época conseguiriam facilmente o seu apuramento para a fase final.

Caminho para a final

O Grupo I era o grupo da selecção da casa. Os ingleses contavam nas fileiras com grandes jogadores como Charlton, Moore e Hunt, e eram os grandes favoritos do grupo. No jogo inaugural empataram a zero com o Uruguai mas depois venceram com facilidade o México e a França pelo mesmo resultado, 2-0. Por outro lado, os uruguaios, depois do empate com os ingleses venceram a França por 2-1 e empataram a zero com o México, apurando-se na segunda posição.



No Grupo II a fortíssima equipa da RFA com Beckenbauer qualificou-se em primeiro lugar, em igualdade com a selecção da argentina com quem empataram a zero bolas. Nos outros dois jogos venceram a Suiça (5-0) e a Espanha (2-1), enquanto que os sul-americanos venceram a Espanha por 2-1 e a Suiça por 2-0.

O Grupo III era o grupo de Portugal. A selecção portuguesa era aparentemente uma selecção que lutaria pelo 2º lugar do grupo mas que teria bastantes dificuldades pois além do campeão do mundo Brasil, o grupo contava com a forte selecção da Hungria. Por isso mesmo o primeiro jogo da nossa selecção era importantíssima e a vitória por 3-1 frente aos húngaros começava a demonstrar que éramos uma selecção a ter em conta. Entretanto ainda nesta primeira jornada os brasileiros venciam a Bulgária por 2-0. Na 2ª jornada do Grupo, Portugal vencia a Bulgária por 3-0 enquanto os brasileiros surpreendentemente perdiam com a Hungria por 3 bolas a uma, num jogo em que Pele não jogaria por lesão. É então que Portugal vai defrontar o campeão do mundo, com estes a necessitarem vencer para se apurarem e Portugal a necessitar não perder para também se apurar. Pele estava de volta, mas com grandes dificuldades. No jogo Portugal foi claramente superior e Eusébio foi muitíssimo superior a um fragilizado Pelé. O Pantera Negra marcaria 2 golos, e já depois de Portugal estar a vencer 3-0, Pele sofre uma falta gravíssima que o coloca fora de campo.



Os brasileiros ainda acabariam por reduzir para 3-1, mas efectivamente este era o Mundial dos Magriços e da Pantera Negra!... A partir daí Portugal começou a ser considerado um dos favoritos à vitória final. Entretanto no outro jogo a Hungria batia a Bulgária por 3-1 e apurava-se também para os quartos de final.

No grupo IV, outra grande surpresa, a eliminação da Itália, e o apuramento da Coreia!... A URSS venceu o grupo só com vitórias (3-0 à Coreia, 1-0 à Itália e 2-1 ao Chile). Para o 2º lugar, coreanos e italianos decidiam o lugar no último jogo do grupo. Para os italianos um empate servia, os asiáticos precisavam da vitória. E conseguiram-na. Herói da partida Pak Doo-lk que marcou o golo que derrotou a Itália por 1-0 e deu o passaporte aos coreanos para defrontarem a selecção de Portugal nos quartos de final.



Nos quartos de final, a equipa da casa acabaria por ter bastantes dificuldades para vencer a Argentina, por 1-0, enquanto a RFA continuava a passear a sua classe e venceria o Uruguai por 4-0. A URSS de Yashine vencia a Hungria por 2-1 enquanto no outro jogo se assistiu a um dos melhores jogos de sempre de um Mundial de futebol, o Portugal-Coreia do Norte. Os coreanos tiveram um início demolidor, e fazendo uso da velocidade aos 23 minutos de jogo já venciam por 3-0. Os asiáticos surpreendiam meio mundo, ainda surpreendiam mais do que os portugueses!... É então que se dá uma épica recuperação da selecção portuguesa, por obra e graça de Rei Eusébio, qual D. Afonso Henriques marcaria aos 27 minutos o 1-3 e aos 42 o 2-3. O jogo estava relançado.



Segundo Eusébio, no intervalo, o seleccionador nacional deu-lhes o maior sermão que algum treinador algum dia lhes deu, e o que é um facto é que na 2ª parte, com Eusébio à cabeça, os portugueses dariam a volta ao resultado cifrando-se no final em 5-3, com 4 golos do Pantera Negra. Nascia nesse dia a adoração dos ingleses por Eusébio, que ainda hoje se mantém intocável.

Nas meias finais, a RFA conseguiria bater a incómoda selecção da URSS por 2-1 e apurar-se para a final, enquanto que em Wembley os ingleses acabariam com o sonho português, vencendo pelo mesmo resultado. Este jogo disputou-se em Wembley porque a organização inglesa, à última hora, se lembrou de mudar a localização do jogo (previsto para Liverpool) para a capital inglesa. Facto esse que provocou imensos protestos da nossa federação, mas infrutíferos. O desgaste da viagem, a acrescer ao enorme desgaste da recuperação efectuada nos quartos de final podem muito bem ter sido duas das causas para que aquela que foi considerada por muitos como a melhor selecção de 66 não conseguisse eliminar os ingleses.



De referir que a selecção portuguesa conseguiria no jogo de apuramento para o 3º e 4º lugar bater a URSS por 2-1, obtendo assim um honroso 3º lugar, que no entanto acabou por saber a pouco...

A final

Os ingleses estavam eufóricos no dia 30 de Julho de 1966. Haviam batido talvez a mais forte selecção do mundial e acabariam por defrontar na final os seus eternos rivais germânicos, em sua casa, podendo pela primeira vez obter o título de campeão do mundo, e logo em plena catedral do futebol, Wembley. Talvez por tudo isto, assistiram-se nesse dia a atitudes de verdadeiro chauvinismo por parte do público britânico.



A final acabaria por ser um jogo monótono, e em que o próprio resultado (com muitos golos) é enganador. O resultado do jogo é em si mesmo o resumo do próprio, ou seja, pouco mais houve neste jogo do que os golos: o primeiro golo, de autoria de Haller, aos 13 minutos, resulta de um alívio deficiente de Wilson; o golo do empate dos britânicos, apontado por Hurst, aos 19, deve-se a um falhanço de um defesa alemão (!) na marcação de um pontapé livre; o segundo golo dos ingleses é marcado por Peters aos 78 minutos, precedido de um ressalto na defesa alemã; o golo do 2-2 é marcado aos 89 minutos por Weber, depois de uma falta mal assinalada pelo árbitro. Conclusão: até os golos foram ridículos!... :-)



No prolongamento mais dois golos para os ingleses que acabariam por lhes dar a taça. O terceiro golo é um dos golos mais visionados e comentados da história do futebol. Um golo que até hoje ainda não se sabe se o esférico entrou ou não entrou. O quarto golo dos britânicos foi apontado por Hurst (fez um hat-trick neste jogo), resultando de um excelente passe de Bobby Moore. E assim conquistavam os ingleses o seu primeiro e até hoje único título mundial.



O Goleador e a Figura

Seria inevitável que o melhor jogador deste Mundial fosse Eusébio da Silva Ferreira. Foi também ele o melhor marcador, com 9 golos, seguido de Haller da Alemanha com 6. O Pantera Negra, nascido em Lourenço Marques, Moçambique, já não era propriamente um desconhecido em 1966. Já havia conquistado uma Taça dos Campeões Europeus pelo Benfica, e apurado a sua equipa de sempre em mais 2 ocasiões para esse jogo decisivo. Era um jogador veloz, uma verdadeira força da natureza, com um pontapé fulminante e que na década de 60 encantou o mundo. Fez praticamente toda a sua carreira no Benfica onde conseguiu conquistar 11 campeonatos nacionais, quatro Taças de Portugal e a já citada Taça dos Clubes Campeões Europeus. Ainda esteve presente em mais 3 finais europeias, foi considerado o melhor jogador do mundo por 2 ocasiões e foi o melhor marcador europeu também por 2 vezes. Marcou na totalidade 733 golos em jogos oficiais e acabaria por terminar a sua carreira em 1979, com 37 anos, a jogar no U. Tomar. É considerado pela generalidade das pessoas como o melhor jogador português de todos os tempos. Aquando do seu primeiro treino no estádio da Luz, e depois de meia dúzia de lances de génio, Bela Guttman diria ao seu adjunto: “Encontrámos ouro, encontrámos ouro!”.

A equipa ideal

Em grande parte devido ao equilíbrio deste Campeonato do Mundo, a selecção ideal não é maioritariamente de apenas um país. Assim sendo temos uma equipa ideal constituída por Banks (Inglaterra), Cohen (Inglaterra), Voronine (URSS), Schnellinger (RFA), Bobby Moore (Inglaterra), Beckenbauer (Alemanha), Bobby Charlton (Inglaterra), Haller (RFA), Eusébio (Portugal), Coluna (Portugal) e Simões (Portugal).

Curiosidades Atacantes:

- Quando Bobby Moore esperava diante da tribuna real para receber a taça das mãos da rainha, que se encontrava a apenas trinta e nove degraus dele, reflectiu e disse: “Valha-me Deus! A Rainha calça luvas brancas e eu tenho as mães sujas.” Quando chegou ao topo dos degraus limpou a mão instintivamente nas colgaduras de veludo azul que ornamentavam o parapeito da tribuna…

- O Mundial inglês foi considerado até essa altura como o pior Mundial de sempre ao nível da arbitragem, com realce para uma arbitragem miserável que roubou os argentinos no jogo frente aos ingleses. É caso para dizer que a mão de Deus de Maradona, 20 anos depois, fez justiça tardia… E ambas as selecções foram campeãs do mundo....

- Antes de começar o Mundial, a organização ficou marcada por um grande susto. Tudo começou com o misterioso roubo da Taça Jules Rimet, no dia 20 de Março de 1966, do Center Hall de Westminster, em Londres.
Foi um caso que apaixonou o mundo. Os brasileiros consideraram um sacrilégio, afirmando mesmo que tal coisa não aconteceria no Brasil, pois até os ladrões brasileiros adoravam tanto futebol, que eram incapazes de cometer tal coisa.
O herói da história viria a ser um canídeo, de seu nome Pickles, que enquanto passeava com o seu dono, no dia 27 de Março, encontrou a Taça escondida num arbusto de um jardim da zona sul da capital londrina.
Como nota, deve-se referir, que a Taça seria definitivamente entregue ao Brasil, após a conquista do mundial de 1970. Mas em 1983, um ladrão que não gostaria assim tanto de futebol, roubaria a taça da CBF, para nunca mais ser encontrada até hoje.

- Eusébio, no jogo para apuramento do 3º e 4º lugar, após a marcação de um penalty, foi estranhamente abraçar Yashine, em vez de festejar o golo. Diria após o encontro, que não poderia festejar aquele golo devido ao enorme respeito que tinha pelo melhor guarda redes do mundo...


Deixo aqui desde já o desejo que Portugal no mínimo consiga este ano, 40 anos depois da grande campanha dos Magriços, honrar esta participação obtendo o lugar na final!...

Sem comentários: