quarta-feira, novembro 29, 2006

Antevisão do Sporting x Benfica

Sporting - Benfica
ou o desencaixe dos losangos


Quando, na próxima sexta-feira, as equipas do Sporting e do Benfica se puserem frente a frente, no relvado do Estádio Alvalade XXI, para jogar o derby mais emocionante do futebol português, não vai ser só fisicamente que as duas equipas se colocam em extremos opostos.

Além das emoções que esse jogo provoca sempre, vai haver um segundo espectáculo para acompanhar: as linhas intermédias destas duas equipas, pela primeira vez na história, são opostos exactos entre si — símbolos vivos de duas formas radicalmente inversas de conceber um meio-campo e o seu papel num jogo de futebol. De um lado, a extrema versatilidade dos médios ao dispor de Paulo Bento; do outro, a alta especialização dos homens que Fernando Santos colocará no miolo. O que acontecer nos 90 minutos seguintes não será apenas a luta entre dois candidatos ao título — será o confronto, a sério e a doer, entre duas filosofias de jogo.

A grande força do Sporting de Paulo Bento está na capacidade da maior parte dos seus médios para desempenhar várias funções sem uma perda muito significativa de rendimento. Carlos Paredes e Farnerud tanto podem alinhar a médios defensivos como ofensivos; João Moutinho cumpre em todas as posições do losango verde-e-branco; Carlos Martins e Nani tanto actuam em qualquer uma das alas como na posição de nº 10; Tello é apontado como um ala esquerdo mas fez os seus melhores jogos no centro do terreno; e João Alves tem rotina como ala direito ou como médio-centro. Apenas Custódio, nas funções defensivas, e Romagnoli, no ataque, são jogadores ‘presos’ a um único tipo de tarefas. Esta enorme versatilidade não surge por acaso: é visivelmente um dos factores de decisão na contratação dos jogadores de fora do clube ou na promoção à equipa principal dos jovens da Academia.
Do lado dos encarnados, a bússola aponta na direcção oposta. O meio-campo dos benfiquistas foi formado à procura de jogadores muito especializados nas suas tarefas, com enorme disciplina no que toca ao posicionamento individual. Petit, Katsouranis, Beto, Diego, Rui Costa, Karagounis, Karyaka ou Paulo Jorge, por exemplo, nasceram para o que nasceram e rendem o seu máximo quando são colocados nas suas posições naturais. Miguelito também pode actuar como lateral, mas no meio-campo só servirá na ala esquerda. Os extremos Simão, Manu e Marco Ferreira mostram o seu melhor futebol a jogar nas alas. Nuno Assis é o único a mostrar alguma polivalência, mas no meio-campo encarnado aparece ‘tapado’ por Rui Costa.

Só por si, uma destas filosofias é melhor do que a outra?
Não: para o afirmarmos, teríamos de dizer que, em confronto, uma delas venceria sempre a outra, e isso é insusceptível de ser demonstrado. Na verdade, cada sistema mais não faz do que servir de base ao tipo de futebol praticado por cada um dos meios-campos: o do Sporting parece-me formado por jogadores jovens mas com grande cultura táctica que se servem dela para efectuar constantes desmarcações em campo; o do Benfica parece-me servido por jogadores que, acima de tudo, privilegiam o funcionamento em bloco e a manutenção das posições entre os médios, deixando as diagonais e as desmarcações para os avançados. Por outras palavras: os leões procurarão um futebol participativo e distribuído, num carrossel que dá a todos os jogadores a possibilidade de rematar à baliza; as águias privilegiarão um modelo em que cada médio sabe sempre onde os outros estão e onde as oportunidades de golo ‘têm dono’ (com perdão de Katsouranis).

Estar nas bancadas de Alvalade para ver o derby ao vivo será um privilégio. Só assim será possível acompanhar de perto uma batalha que é muito mais do que uma simples luta entre quatro homens de verde contra quatro de vermelho: é um confronto entre duas visões diferentes do que é um meio-campo, entre duas concepções opostas do que é o futebol e, acima de tudo, entre duas maneiras diferentes de ver o mundo.


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