Esta semana deixo os jogadores geniais e os goleadores de folga e vou debruçar-me sobre um dos mais importantes treinadores, senão o mais importante, da história do nosso futebol. A referência estrangeira desta semana é uma figura a quem o futebol português deve muito. Falo-vos de Otto Glória, treinador responsável, entre as outras coisas, pela brilhante campanha dos “magriços” no Mundial de 66.
Otto ainda tentou uma carreira como jogador, no Vasco da Gama, clube onde o seu pai era dirigente. Contudo, cedo percebeu que não seria um grande jogador e, portanto, resolveu continuar os seus estudos. Formou-se em Ciências e começou um curso de Direito que nunca foi acabado.
Aos 25 anos, começou a sua carreira de treinador nas escolas do Vasco. Em 1949, já com 32, passou a adjunto, e apenas três anos depois foi promovido a treinador principal. Logo no seu ano de estreia foi campeão carioca.
Na época seguinte, mudou-se para o América, lançando o clube nos seus tempos de glória. Foi nessa altura que Joaquim Bogalho, o então presidente do Benfica, o descobriu. Bogalho, que era um nacionalista, só queria treinadores portugueses e, ainda para mais, tinha de ser da prata da casa. Mas o sucesso de Glória no América encantou-o de uma certa forma, e no ano de 1954 assinou pelo Benfica. Foi chegar, ver e vencer: ganhou dois campeonatos nacionais, três taças de Portugal e trouxe para o nosso país o sistema táctico 4-4-2, que já se praticava no Brasil. No entanto, a saída de Bogalho coincidiu com a sua saída.
Ingressou no Belenenses na época 1959/60. Pelo clube do Restelo, teve uma passagem bem sucedida, onde ganhou uma taça de Portugal. Na época seguinte, foi para o Sporting e, inclusivamente, assinou pelo clube leonino sem romper o contrato que o ligava ao Belenenses. Em Alvalade, não ficou muito tempo e decidiu, subitamente, abandonar o clube devido algumas posições que acerca da sua pessoa no Bolhetim do Sporting.
Entretanto, Glória tinha ganho algum prestígio além fronteiras e em Fevereiro de 1962 foi treinar o Marselha. Teve uma estranha relação com os media franceses: primeiro, começou por ser bestial, sendo até intitulado de Papa Otto, e a passou besta, acabando acusado de ser um treinador materialista.
Voltou para o Brasil, e teve um ténue regresso ao Vasco da Gama, só que recebeu um telefonema para voltar a Portugal para treinar o F.C.Porto. Nas Antas, teve um fascínio por segundos lugares, uma vez que foi duas vezes vice-campeão e uma vez finalista vencido da taça de Portugal.
O destino parecia que o tinha reservado um regresso ao Sporting. Desta vez, acabou por ser campeão nacional, mas mesmo assim não evitou o despedimento.
Aceitou um desafio da Federação para ser o treinador de campo da Selecção Nacional em Inglaterra, no Mundial. Treinador de campo, porque, na verdade, o Seleccionador era Manuel da Luz Afonso. Com a sua orientação, a selecção das quinas fez-nos sonhar e atingiu um brilhante terceiro lugar. Há, inclusive, uma frase engraçada proferida por Otto Glória, no final da vitória lusa sobre o seu país de origem, o Brasil: “Agora, se não arranjo emprego em Portugal, estou tramado”.
Depois da saga magnífica dos “magriços”, Otto passou por Espanha e em 1968 volta ao Benfica, para ganhar todos os troféus nacionais que haviam para ganhar em dois anos. No entanto, acabou por perder uma épica final da Taça dos Campeões Europeus contra o Manchester United.
Nessa altura, esteve para ir para o Nápoles. Só que uma estranha ameaça de greve dos treinadores italianos devido à sua vinda acabou por afastá-lo do Cálcio.
Regressou ao Brasil, passando pelo Vasco da Gama, por duas ocasiões, e pela Portuguesas dos Desportos, onde venceu um campeonato paulista. Passou pelo México, e em 1980 teve um desafio na sua carreira, ao aceitar treinar a selecção da Nigéria. Ao comando dos Super-Águias, sagrou-se campeão africano.
Em 1982, volta a Portugal e à Selecção Nacional, mas desta vez, efectivamente, como Seleccionar. Lançou as bases para a qualificação histórica dos “patrícios” para o Euro-84. Contudo, a derrota pesada em Moscovo, por 5-0, contra a U.R.S.S., acabou por ser a gota de água, de uma saída, que, segundo Glória, foi essencialmente por falta de condições de trabalho.
Otto Glória faleceu a 4 de Setembro de 1986, vítima de doença prolongada. Muitos atribuem-no a modernização da Selecção Nacional. Há, inclusive, quem trace um percurso da nossa Selecção em duas fases: o antes Otto Glória e pós Otto Glória.
«Otto não é um, são dois, como a personagem do romance de Daudet. A sua personalidade desdobra-se consoante as circunstâncias. Se um jogo corria mal, porque os jogadores não obedeciam às suas recomendações, insistentemente produzidas antes de ele começar, era vê-lo entrar na cabina, fulo, palavroso, iracundo, ameaçando a terra, o mar, o Mundo. Nesse momento era o Otto D. Quixote que nos surgia e cada qual procurava refúgio no recanto mais escondido. Mas quando o jogo terminava, mesmo com derrota, e a culpa era do valor e da táctica do adversário, e não nossa, então surgia o outro Otto, paternal, amigo, jovial, com uma palavra de conforto para cada um dos jogadores, um pequeno gesto de resignação e esperança, uma atitude de compreensão que nos sensibilizava e nos dava alento. Era o Otto Sancho, filósofo e bonacheirão...»
Costa Pereira
Ficha Técnica:
Nome: Otto Martins Glória
Data de Nascimento: 9 de Janeiro 1917 a 4 de Setembro 1986
Naturalidade: Rio de Janeiro
Nacionalidade: Brasileira
Clubes que treinou: Vasco da Gama, América, Benfica, Sporting, Belenenses, F.C.Porto, Marselha, Atlético de Madrid, Portuguesa dos Desportos, CF Monterrey
Seleccionador: Portugal e Nigéria
Palmarés:
1 Campeonato Paulista
1 Campeonato Carioca
5 Campeonatos Nacionais
6 Taças de Portugal
1 Taça das Nações Africanas
Otto ainda tentou uma carreira como jogador, no Vasco da Gama, clube onde o seu pai era dirigente. Contudo, cedo percebeu que não seria um grande jogador e, portanto, resolveu continuar os seus estudos. Formou-se em Ciências e começou um curso de Direito que nunca foi acabado.
Aos 25 anos, começou a sua carreira de treinador nas escolas do Vasco. Em 1949, já com 32, passou a adjunto, e apenas três anos depois foi promovido a treinador principal. Logo no seu ano de estreia foi campeão carioca.
Na época seguinte, mudou-se para o América, lançando o clube nos seus tempos de glória. Foi nessa altura que Joaquim Bogalho, o então presidente do Benfica, o descobriu. Bogalho, que era um nacionalista, só queria treinadores portugueses e, ainda para mais, tinha de ser da prata da casa. Mas o sucesso de Glória no América encantou-o de uma certa forma, e no ano de 1954 assinou pelo Benfica. Foi chegar, ver e vencer: ganhou dois campeonatos nacionais, três taças de Portugal e trouxe para o nosso país o sistema táctico 4-4-2, que já se praticava no Brasil. No entanto, a saída de Bogalho coincidiu com a sua saída.
Ingressou no Belenenses na época 1959/60. Pelo clube do Restelo, teve uma passagem bem sucedida, onde ganhou uma taça de Portugal. Na época seguinte, foi para o Sporting e, inclusivamente, assinou pelo clube leonino sem romper o contrato que o ligava ao Belenenses. Em Alvalade, não ficou muito tempo e decidiu, subitamente, abandonar o clube devido algumas posições que acerca da sua pessoa no Bolhetim do Sporting.
Entretanto, Glória tinha ganho algum prestígio além fronteiras e em Fevereiro de 1962 foi treinar o Marselha. Teve uma estranha relação com os media franceses: primeiro, começou por ser bestial, sendo até intitulado de Papa Otto, e a passou besta, acabando acusado de ser um treinador materialista.
Voltou para o Brasil, e teve um ténue regresso ao Vasco da Gama, só que recebeu um telefonema para voltar a Portugal para treinar o F.C.Porto. Nas Antas, teve um fascínio por segundos lugares, uma vez que foi duas vezes vice-campeão e uma vez finalista vencido da taça de Portugal.
O destino parecia que o tinha reservado um regresso ao Sporting. Desta vez, acabou por ser campeão nacional, mas mesmo assim não evitou o despedimento.
Aceitou um desafio da Federação para ser o treinador de campo da Selecção Nacional em Inglaterra, no Mundial. Treinador de campo, porque, na verdade, o Seleccionador era Manuel da Luz Afonso. Com a sua orientação, a selecção das quinas fez-nos sonhar e atingiu um brilhante terceiro lugar. Há, inclusive, uma frase engraçada proferida por Otto Glória, no final da vitória lusa sobre o seu país de origem, o Brasil: “Agora, se não arranjo emprego em Portugal, estou tramado”.
Depois da saga magnífica dos “magriços”, Otto passou por Espanha e em 1968 volta ao Benfica, para ganhar todos os troféus nacionais que haviam para ganhar em dois anos. No entanto, acabou por perder uma épica final da Taça dos Campeões Europeus contra o Manchester United.
Nessa altura, esteve para ir para o Nápoles. Só que uma estranha ameaça de greve dos treinadores italianos devido à sua vinda acabou por afastá-lo do Cálcio.
Regressou ao Brasil, passando pelo Vasco da Gama, por duas ocasiões, e pela Portuguesas dos Desportos, onde venceu um campeonato paulista. Passou pelo México, e em 1980 teve um desafio na sua carreira, ao aceitar treinar a selecção da Nigéria. Ao comando dos Super-Águias, sagrou-se campeão africano.
Em 1982, volta a Portugal e à Selecção Nacional, mas desta vez, efectivamente, como Seleccionar. Lançou as bases para a qualificação histórica dos “patrícios” para o Euro-84. Contudo, a derrota pesada em Moscovo, por 5-0, contra a U.R.S.S., acabou por ser a gota de água, de uma saída, que, segundo Glória, foi essencialmente por falta de condições de trabalho.
Otto Glória faleceu a 4 de Setembro de 1986, vítima de doença prolongada. Muitos atribuem-no a modernização da Selecção Nacional. Há, inclusive, quem trace um percurso da nossa Selecção em duas fases: o antes Otto Glória e pós Otto Glória.
«Otto não é um, são dois, como a personagem do romance de Daudet. A sua personalidade desdobra-se consoante as circunstâncias. Se um jogo corria mal, porque os jogadores não obedeciam às suas recomendações, insistentemente produzidas antes de ele começar, era vê-lo entrar na cabina, fulo, palavroso, iracundo, ameaçando a terra, o mar, o Mundo. Nesse momento era o Otto D. Quixote que nos surgia e cada qual procurava refúgio no recanto mais escondido. Mas quando o jogo terminava, mesmo com derrota, e a culpa era do valor e da táctica do adversário, e não nossa, então surgia o outro Otto, paternal, amigo, jovial, com uma palavra de conforto para cada um dos jogadores, um pequeno gesto de resignação e esperança, uma atitude de compreensão que nos sensibilizava e nos dava alento. Era o Otto Sancho, filósofo e bonacheirão...»
Costa Pereira
Ficha Técnica:
Nome: Otto Martins Glória
Data de Nascimento: 9 de Janeiro 1917 a 4 de Setembro 1986
Naturalidade: Rio de Janeiro
Nacionalidade: Brasileira
Clubes que treinou: Vasco da Gama, América, Benfica, Sporting, Belenenses, F.C.Porto, Marselha, Atlético de Madrid, Portuguesa dos Desportos, CF Monterrey
Seleccionador: Portugal e Nigéria
Palmarés:
1 Campeonato Paulista
1 Campeonato Carioca
5 Campeonatos Nacionais
6 Taças de Portugal
1 Taça das Nações Africanas
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