quinta-feira, março 09, 2006

A águia voa, e voa e voa!...

Um ponto prévio. Não ganhámos absolutamente nada. Mas o que seria do futebol sem o “viver o momento”, sem as vitórias pontuais contra um grande rival ou um grande colosso futebolístico? Todos nós, benfiquistas e adeptos que apesar de não serem benfiquistas torciam pela sua vitória, só podemos estar orgulhosos do feito que a equipa com menor orçamento das 16 presentes nos oitavos-de-final conseguiu ontem. Pela primeira vez uma equipa portuguesa eliminou o campeão europeu em título. Pela primeira vez uma equipa portuguesa venceu naquele palco mítico que é Anfield Road. Querem mais razões para festejar?


Não é fácil começar a escrever sobre o que aconteceu ontem em Anfield Road. Principalmente porque foi indiscritível o que se passou. Prometo que vou tentar guiar-vos através da minha escrita a uma jornada de glória para o Benfica e para o futebol português.

A partida

Saí de Penafiel por volta das 06.30 da madrugada, consciente que iniciava uma grande caminhada, tentando assistir ao concretizar do sonho de eliminar o campeão europeu. Confesso que tinha receio. A única vez que tinha assistido a um jogo do meu clube fora de Portugal, tinha presenciado a maior humilhação da sua história. Sim, eu não me esqueço que estive em Vigo. Mas à saída de Penafiel não conseguia sequer supor que estava a algumas horas de presenciar a maior vitória do Benfica nos últimos 15 anos. Um feito histórico.

O avião saiu do Porto por volta das 9.30 e aterrou em Liverpool às 11.30, num voo calmo, com alguns cânticos à mistura e com o antigo presidente do Gil Vicente, Magalhães a meu lado. Algumas histórias soube sobre o futebol, principalmente no passado, mas como se tratou de uma conversa off-the-record, como devem compreender não vos vou dizer o que se falou... A chegada a Liverpool deu-se no meio de muita chuva, mas como eu ia precavido com uma capa para a chuva do SLB, não a senti na espinha... Cabecinha pensadora...

A cidade dos Beatles

Por volta da 1 da tarde já andava pelas ruas de Liverpool, que começavam a ser invadidas por portugueses, com um ou outro grito de apoio de ingleses adeptos do Everton. Posso mesmo dizer que o primeiro bar onde estive e acabei por almoçar era de um adepto do Everton, que andava com um cachecol do SLB ao pescoço a servir às mesas. Efectivamente temos de deixar de nos preocupar em Portugal com o apoio a outras equipas em jogos internacionais. Na pátria do futebol, a rivalidade fala mais alto do que o patriotismo, por isso, não há problema em assumir que um adepto do Sporting ou do Porto não gosta que o Benfica ganhe na Europa. Embora também se tenha de respeitar o contrário.
Passando à frente, depois de um almoço bem regado, decidi dar uma volta pela cidade, e acabei no famoso museu dos Beatles. Um belo tributo àquela que foi provavelmente a melhor banda do mundo.


Depois da passagem pelo museu, nada melhor do que ir ter com os compatriotas aos bares de Liverpool. Na famosa St. Matthews Street, onde os Beatles iniciaram a sua carreira, e no famoso The Cavern, passei o resto da tarde a beber e a cantar. E o que é um facto é que os próprios ingleses se iam deixando contagiar pela alegria portuguesa, pela boa disposição. E estávamos a poucas horas do início...

O estádio



Cheguei a Anfield Road por volta das 18h. A organização policial era absolutamente formidável, encaminhando as pessoas para os seus locais atempadamente. A convivência com os ingleses mantinha-se, trocando-se cachecóis, bebendo cerveja e cantando. Claro que “bifes” pensavam que a vitória estava no papo, mas nem sequer imaginavam o que lhes ia acontecer...



18.40, entrei no estádio. Quase vazio. Só adeptos portugueses que com algum álcool à mistura iam afinando as vozes para uma noite de glória. O “Glorioso SLB” que se ia ouvindo iria permanecer durante várias horas em Anfield Road. E seria inesquecível. A meu lado Francisco Penim e Teresa Guilherme. Posso desde já adiantar que o Francisco Penim me confidenciou ter em mãos tudo o que é necessário para “roubar” o futebol da TVI e levá-lo para a SIC. Dei-lhe um conselho: “veja lá se contrata é bons jornalistas...”

19.05, primeira explosão de festa. Moretto entra para o aquecimento e começa a sentir-se o apoio nas bancadas, apesar de em surdina as pessoas dizerem “devia é colocar o Quim”, “o gajo não dá confiança nenhuma”.

19.10, entra a equipa. “Glorioso SLB”, durante 5 minutos. Os jogadores agradecem. Querem-nos agradecer em campo.



19.38. Esta hora ficará marcada na minha memória. Inicia-se o hino do Liverpool. “You’ll never walk alone”, é entoado por todos os ingleses. É arrepiante posso-vos dizer. Nunca tinha sentido algo igual em nenhum estádio de futebol. Os adeptos do Benfica em sinal de respeito colocam os seus cachecóis ao alto, e ainda antes de acabar o hino dos ingleses batem-lhes palmas. Merecem! É um espectáculo à parte do outro espectáculo que está prestes a começar.

19.43. Entram as equipas. Um barulho ensurdecedor. Berros e mais berros. Cânticos, apoio e mais apoio. Sinto que por mais apoio que consigamos dar, aqueles meninos que estão no campo vão ter de sofrer muito. Porque aqueles ingleses são mesmo loucos!...



19.45. Inicia-se o jogo e começo a ver que realmente existe um inferno em Anfield Road. Parece uma onda de som que percorre todo o recinto.

O jogo

O jogo inicia-se com o Liverpool tal como se esperava a pressionar. E com alguns jogadores do Benfica a tremer. Nuno Gomes tem uma perdida de bola infantil no nosso meio campo dá origem quase ao primeiro golo contrário. O benzido poste da baliza de Moretto evitava males piores...



E os ingleses lá continuam a cantar e a pressionar. Por mais que nos esforcemos quase que nem nos conseguimos ouvir. É incrível. Mas não desistimos. Continuamos a cantar, com a certeza que a nossa voz mais cedo ou mais tarde ainda se irá ouvir.
Os primeiros 20 minutos foram realmente assustadores. Alguma falta de sorte, falta de engenho e noutra das ocasiões uma excelente defesa de Moretto, fizeram com que o jogo mudasse. Estou certo que pelo que sentia em campo, se o Benfica tivesse sofrido um golo naqueles primeiros 20 minutos tudo poderia ter sido diferente. Mas não foi!... E ainda bem...
A partir dos 20 minutos o contra ataque do Benfica começa a fazer-se sentir. Simão e Geovanni muito bem começam a abrir brechas na defesa contrária e a colocar em sentido os ingleses. Koeman esteve muito bem a armar a equipa e a jogar como o Benfica sabe melhor: em contra ataque!...
O primeiro aviso surge por volta dos 30 minutos. Geovanni num fantástico remate à meia volta de fora da área envia a bola à barra!... Que grande golo que era!... Os adeptos começam a acreditar e começamos a fazer ouvir a nossa voz em pleno Anfield Road. O jogo está óptimo, aberto, e com qualquer uma das equipas a poder marcar e é então...



...que reaparece o NOSSO CAPITÃO!... Andava desaparecido há uns 4 meses. Desde que tinha voltado da lesão que já não era o mesmo Simão. Parece desmoralizado com a não transferência, não aparecia em campo. Mas aquele seu golo de ontem deitou tudo para trás das costas... Que grande golo, Simão!... Nas bancadas era o delírio. Pessoas a chorar, tudo aos saltos, os ingleses incrédulos!... Eu próprio não sabia o que fazer. Ria, chorava, berrava, cantava!... O Benfica tinha marcado!... O sonho estava mais perto...
Ainda na primeira parte, mais 2 calafrios. Um grande remate de Beto (!) que quase fazia autogolo e uma saída em falso do Moretto com mais uma bola no poste.

Chegávamos ao intervalo e começava a ficar convicto de que não nos poderiam roubar o apuramento. A equipa desdobrava-se bem, defendia razoavelmente, tínhamos de aguentar novamente o ímpeto inglês no reinício. No intervalo na conversa com os Gato Fedorento, também presentes em Liverpool, todos os adeptos falavam que iam ser quinjajero... Não foram 15, mas soube quase a isso...

Na 2ª parte, e depois de uns 10 minutos com algum predomínio do Liverpool, o Benfica começa a controlar completamente o jogo. O público inglês nota-se que começa a esmorecer. E começam a ouvir-se apenas e só o “Ninguém pára o Benfica” e o “Glorioso SLB”. Anfield Road estava por fim silenciado. Rendidos às evidências de uma equipa que apesar de ter alguma felicidade, em poucos momentos foi inferior aos ingleses, e demonstrou que em Portugal se joga futebol ao nível dos grandes da Europa.

Com as substituições na equipa, Koeman conseguiu ainda controlar mais o jogo. Miccoli era um perigo público com a sua velocidade. Ricardo Rocha ajudaria a anular os perigos Fowler e Cissé. Karagounis trouxe controle de bola. Os campeões europeus estavam rendidos. E nós não nos calávamos.


Até que no dealbar da partida, a última explosão de alegria da noite. Um fantástico pontapé de moinho de Miccoli, um menino bonito dos adeptos do SLB que fechava com chave de ouro uma exibição monumental da equipa. Loucura é a única palavra que se pode utilizar para descrever o ambiente no nosso sector mas...

O Final

...para espanto de todos, ou talvez não, os fantásticos adeptos do Liverpool, começam então a entoar novamente o seu hino “You’ll never walk alone”, a perder por 2-0 em casa contra uma equipa quase considerada de 3º mundo. Ficámos silenciados, a viver o momento. O cântico dos ingleses funcionava como se fosse um tributo à nossa épica vitória. O jogo terminava passado pouco tempo e no meio da loucura dos cânticos dos portugueses, os ingleses além de aplaudir a nossa equipa, viraram-se para nós e aplaudiram-nos sentidamente. Nós retribuímos com aplausos.



O espectáculo continuava para além do espectáculo. E assim se foi sucedendo durante mais uns 5 minutos, até todos os adeptos do Liverpool abandonarem o estádio. Após esse momento, ainda houve tempo para relembrar o sempre eterno Miki Féher, e para cantar o hino nacional. Sim, porque para além do Benfica, isto é uma vitória de Portugal. Mais uma vez o nome do nosso país é levado além fronteiras por um clube de futebol.



Obrigado a todos os jogadores, técnicos, dirigentes, adeptos, amigos que me mandaram mensagens, quem me telefonou, etc, etc, etc. Foi um grande dia, que apenas terminou cerca das 4h30m, à chegada a casa. 22 horas e 30 minutos depois, o guerreiro descansava, com um sorriso nos lábios.

Agora para o futuro, o céu é o limite!...

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