E aqui estamos, para a 2ª parte da entrevista, com José Guilherme Chieira.
Penso, que é tempo de falarmos em temas “quentes” do nosso panorama futebolístico.
Assim, começo, desde já, pela Liga BetandWin.
F.A: José, começo por lhe fazer 2 perguntas muito gerais. Qual a sua opinião, em relação ao nosso Campeonato?
José Chieira: O campeonato não é assim tão mau como muitos o ‘pintam’ – eu tenho oportunidade de ver muito futebol por esse mundo inteiro e acreditem que, em termos de qualidade/competitividade/organização das equipas, estamos num patamar bem interessante. Creio que tem havido, isso sim, uma guerra cada vez maior pelo ponto – o que condiciona o espectáculo. E este ano, com 4 clubes a descer de divisão, essa tendência tem-se acentuado.
Temos alguns bons jogadores (considerando os orçamentos disponíveis quando comparados com outras ligas), jogos quase sempre nivelados e uma competência aceitável em termos do trabalho específico dos treinadores (organização de equipas, estudo do detalhe, aproveitamento do erro, etc).
F.A: Qual a sua opinião, em relação aos dirigentes do Futebol Nacional?
José Chieira: Penso que o dirigismo que temos tem muito a ver com a própria cultura nacional – é mais uma questão de educação/formação do nosso povo do que outra coisa. E neste aspecto, como em alguns outros noutros quadrantes, deveríamos estar mais evoluídos.
F.A: FC Porto e Benfica contrataram 2 técnicos Holandeses. No entanto, o Campeonato Nacional é cada mais “um campeonato de treinadores Portugueses”. Considera descabida a aposta em técnicos Holandeses, ou por outro lado, a vinda destes técnicos “incrementa” algo de novo no nosso Futebol?
José Chieira: O futebol é uma ciência que já deixou de ser oculta há muito tempo – e, também por isso, os clubes fazem escolhas conscientes e com determinadas intenções, seja numa tentativa de apostar em determinados tipos de culturas diferentes (de trabalho e de educação), e/ou procurar perfis ganhadores e competentes em vários vectores (técnico, lideracional, organizacional, conjuntural, etc).
Penso que estar a falar de ‘técnicos Holandeses’ é demasiado redutor – até porque Koeman e Adriaanse são bastante diferentes como treinadores (apesar de revelarem, naturalmente, uma postura mais ou menos alinhada noutros quadrantes).
Agora se houve ou não ‘incrementos’ ... eu creio que houve uma evolução em alguns sentidos, alguns dos quais até se revelam mais num contexto não-técnico.
E temos que ver que os clubes em causa (FC Porto e Benfica) lutam por objectivos máximos – e não é fácil encontrar, em qualquer mercado, treinadores com trajecto ganhador capazes de trazer uma mentalidade e hábito de vitória, até porque em cada país só um clube pode ser campeão em cada época e, assim, construir este tipo de perfil não é nunca um fenómeno muito frequente em qualquer mercado interno...
F.A: E em relação aos técnicos Portugueses? Considera que houve uma evolução dos treinadores em Portugal? Ou considera, que por outro lado, assistimos a uma alteração de mentalidade na aposta dos dirigentes em algo que é Nacional?
José Chieira: Penso que o ‘fenómeno Mourinho’ veio reacender a discussão sobre o ‘técnico português’ e funcionou em vários sentidos: por um lado, tornou-se evidente que um treinador português é capaz de ganhar tudo, trabalhando a um nível diferenciado mesmo em termos de cenário mundial, ultrapassando os ‘mitos’ dos treinadores/estrategas italianos, treinadores/espectáculo espanhois e outros (que tiveram aliás quase sempre, nos últimos 40 anos, jogadores e todo o tipo de condições com mais qualidade obtidos com orçamentos cada vez mais desnivelados); por outro lado, José Mourinho só há um, e seja qual for a sua fórmula de sucesso, penso que se caíu no exagero ao falar-se da ‘nova vaga’ de treinadores nacionais. Eu creio, isso sim, que há bons e maus treinadores – e em qualquer parte do mundo. E há uma natural evolução da ciência do treino em todo o mundo (tal como a Física ou a Medicina também avançam) e o treinador português também melhorou.
Ora se estamos a falar de uma indústria muito particular em cada país (já de si com culturas e vivências também particulares), é natural que um líder, um tomador de decisões, isto é, um treinador – esteja mais preparado para tomar as melhores decisões no seu próprio meio, aumentando a probabilidade do seu sucesso. E foi esta maior consciencialização (até pela evidência, após equívocos consecutivos) que levou o dirigente nacional a tomar decisões mais racionais – e apostar no ‘treinador português’, tal como já se verifica de uma forma geral nos países mais avançados nesta indústria ao apostarem em técnicos locais, em que a mobilidade internacional dos treinadores é bem menor que as dos jogadores.
F.A: Considera que cada vez mais, os clubes “designados” de pequenos conseguem travar duelos com os “designados” grandes? É defensor do campeonato estar nivelado por cima?
José Chieira: Como já referi antes, não penso que haja um nivelamento por baixo ... pelo menos quando comparamos com há 10 anos atrás, por exemplo.
Quanto aos duelos ‘grandes vs pequenos’: é óbvio que o factor ‘orçamento’ cria desequilíbrios decorrentes do natural funcionamento do mercado de transferências (treinadores, jogadores e outros profissionais) - mas também não é menos verdade que, hoje em dia, quase todos os factores que determinam as perfomances são aproximados: os recursos humanos, físicos, e organizacionais têm tido uma tendência geral de aproximação e a circulação da informação (factor determinante em todos os mercados, não só no futebol) é muito mais rápida e eficaz que no passado. Por exemplo, hoje um clube com menos capacidade financeira tem muito mais instrumentos ao seu dispor para aferir a qualidade/perfil de jogadores de qualquer continente ... o que (em teoria) minimiza a margem de erro e permite uma maior e melhor rentabilização dos seus recursos.
Mesmo assim é normal que ainda se verifiquem diferenças, se bem que menores, pois por vezes a diferença de talento ou de outras características específicas de alguns atletas tornam-nos tão especiais que a soma das partes tem de acabar por ser superior numa prova de regularidade como é um campeonato, independentemente de factores mais ou menos externos que se possam sempre sugerir.
F.A: Voltemos a introduzir o Football Manager.
O Futebol Português sempre foi visto como parente pobre, pelos clubes e dirigentes de outros países Europeus.
O José, na Sports Interactive, terá feedback da opinião de pesquisadores de todo o mundo sobre o nosso Futebol. Pode-nos dar uma ideia de qual é essa opinião?
José Chieira: A ideia circulante neste meio não é diferente do que a que circula noutros: existem bons jogadores, jogadores fantásticos (não muitos) e ... os outros.
Digamos que se nota, isso sim, um cada vez maior conhecimento das equipas nacionais, pois os canais televisivos locais e internacionais (desportivos e não só) acabam por mostrar sempre imagens da 1ªLiga.
Quanto a opiniões formadas sobre outros factores - é evidente que situações como as que se verificaram a época passada na indefinição de calendários, regras das competições etc ... não são prestigiantes. É sempre uma luta inglória tentar que todos os detalhes das nossas competições sejam devidamente implementados no FM, simplesmente porque a velocidade das alterações é muito superior à velocidade de programação da SI quando se tem de gerir as competições de mais de 50 países!
F.A: No Football Manager, temos assistido a uma melhoria significativa, ao longo dos anos, dos clubes e jogadores Portugueses. Poderei considerar este factor, como uma prova do reconhecimento Internacional da qualidade do Futebol Nacional?
José Chieira: Penso que sim – e/ou talvez os outros países tenham vindo a perceber que afinal não são assim tão melhores que nós ... os sucessos em provas internacionais têm sido cada vez mais frequentes e mediatizados, por isso há evidências que acabam por fazer ‘ajustar’ a evolução do FM de uma forma semelhante à da realidade.
F.A: Bom, por outro lado o José ao ser o elemento que cria e produz o Campeonato Português, pode indirectamente ser uma “peça” com algum peso na divulgação do nosso futebol, e da qualidade do mesmo. Sente isso? Tem essa preocupação?
José Chieira: Eu sinto que, acima de tudo, devemos fazer um trabalho colectivo sério em termos da transposição do futebol de cada país para este produto, que neste caso é o FM – e que este produto tem, ano após ano, uma força mediática considerável não só em Portugal como também em todo o mundo ... cada edição bate novos recordes de vendas e chega a todos os continentes.
E isto implica responsabilidade e compromisso da minha parte em ‘divulgar’ o nosso futebol – e ‘divulgar’ significa observar, registar, aferir, avaliar e transmitir literalmente tudo o que ‘é’ o Futebol Português...
F.A: O Futebol Português é constantemente criticado por dirigentes, políticos, etc.
José, o que mudaria no Futebol Nacional se tivesse esse poder?
José Chieira: Não é uma questão que se responda em poucas linhas ... mas uma postura mais controladora e reguladora das entidades competentes (Governo, Federação, Liga), seja com mecanismos de prevenção e/ou punição - seria positiva para que todos os agentes envolvidos no Futebol Nacional tivessem comportamentos mais racionais, respeitadores e positivos. É certo que esta indústria é muito particular (começando pela formação e sensibilidade específica das pessoas que a integram) e que o factor ‘educação’ do nosso povo tem uma marca muito própria – mas se esta mesma indústria funciona noutros países, então há que apreender e aprender o que fazer para que também em Portugal seja vista (e funcione) como uma indústria de sucesso.
F.A: Considera que o nosso Futebol revela sinais de amadorismo?
José Chieira: De uma forma geral sim ... mas tenho notado melhorias, principalmente em termos dos serviços complementares (promovidos por pessoas que não são ‘do’ futebol), os quais por vezes até acabam por ‘obrigar’ o dirigente a ser mais responsável e profissional.
F.A: Termino este tema com perguntas simples, mas curiosas.
José, quem será, na sua opinião, o vencedor do campeonato 05/06 em Portugal?
José Chieira: A minha opinião não conta para as contas ... mas não deve fugir da luta Porto/Sporting.
F.A: Quais os jogadores que o têm encantado nos relvados Portugueses?
José Chieira: Enquanto há muita gente que prefere valorizar o rigor táctico ou a solidez defensiva (tão em voga), eu tenho um encanto especial por jogadores de talento, que aportem o lado mais positivo do jogo, que dêem espectáculo ... Nani, Simão, Quaresma, Felipe Teixeira, Benachour, Fábio Felício, Manú, Alexandre Goulart ...
E depois também aprecio os outros de ‘futebol total’, que interpretam o futebol moderno de versatilidade, dinâmica, inteligência ... João Moutinho, Lucho, Manuel Fernandes, Harrison, Wenio
F.A: E os clubes com mais probabilidades de descer. Quem serão?
José Chieira: Sinceramente, não me atrevo a avançar este prognóstico...
F.A: José, não resisto a fazer-lhe algumas perguntas sobre Blogs Futebolísticos. Considera que a existência de blogs Futebolísticos de qualidade, é uma alternativa válida a uma imprensa desportiva cada vez mais manipulada e manipuladora?
José Chieira: Só o facto de haver alternativas já é positivo ... e tanto melhor se estão disponíveis neste fantástico veículo da democracia que é a internet e, ainda por cima, revelam uma capacidade crítica e analítica de qualidade, que vai desaparecendo da imprensa tradicional.
F.A: É visitante assíduo deste tipo de blogs?
José Chieira: Sou ... sempre que tenho tempo disponível!
F.A: Nunca pensou em criar um?
José Chieira: Pensar sim ... http://olheirofutebolclube.blogspot.com/ - mas infelizmente (ainda) não tive tempo para um único post!!
F.A: O que pensa do www.FuteboldeAtaque.blogspot.com?
José Chieira: Muito completo e actualíssimo ... uma verdadeira bíblia do futebol mundial.
F.A: Bom, a entrevista já vai longa e portanto é tempo de terminar.
Perguntar-lhe-ia só para terminar, quais os seus planos para o Futuro?
José Chieira: Trabalhar todos os dias ... em qualquer parte do mundo.
F.A: Deseja deixar uma mensagem aos fans do Football Manager e aos adeptos do Futebol Nacional?
José Chieira: Queria, acima de tudo, agradecer a dedicação de todos os Treinadores FM – que, ano após ano, são a verdadeira razão para todos nós (incluindo aqueles que, livre e gratuitamente, colaboram mais de perto com a Pesquisa Portuguesa em http://www.fmportugal.net/ – bem hajam!!) acreditarmos que o FM é muito mais que um jogo!
Quanto aos adeptos do Futebol Nacional – que aproveitem o melhor que o Futebol nos dá ...
Com um abraço especial para os leitores do www.futeboldeataque.blogspot.com
José Guilherme Chieira
jose.chieira@fmportugal.net
Fica concluída assim a entrevista a José Guilherme Chieira, um Homem do Futebol, com ideias concretas, opiniões firmes e sem dúvida uma personalidade simpática e curiosa.
A ele o meu muito obrigado por esta entrevista, e ao leitor espero que as perguntas tenham sido as mais pertinentes possíveis e que a entrevista no seu todo seja o mais interessante possível.
Assim me despeço
Sem comentários:
Enviar um comentário